domingo, 20 de novembro de 2011

Caminhando até a língua portuguesa


Um dia agitado. Aquele calor de 40º graus. Ninguém mastiga a comida direito. A pressa em voltar às obrigações é tão grande que, as observações de Zygmunt Bauman, em Modernidade Líquida, são diariamente postas em prática na cidade maravilhosa. Naquele dia, em especial, pude observar que a rapidez também estava na fala. “Chegou o peixe, neh?!” perguntou uma garçonete pra outra. “Neh”, uma junção de ‘’não é’’, é uma expressão comumente utilizada no dia-a-dia e, como disse um amigo estrangeiro, parece uma vontade preguiçosa do carioca em acabar logo a fala. Adicione o “então” que o prato fica perfeito. “Então tem certeza absoluta de que chegou o peixe, neh?!”.                                                  
Meu amigo estrangeiro, no entanto, não fora capaz de perceber que, em contraposição, as tautologias alongam o diálogo. Como um vício de linguagem, podem ser consideradas sinônimos de pleonasmo ou redundância. Do grego ταὐτολογία ("dizer o mesmo") é, na retórica, um termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes, como dito pela garçonete “certeza absoluta”. Como alguém pode ter uma certeza certamente certa? Será que a certeza não era pra ser certa por si só?
Há quem diga que o fenômeno tem o papel de reforçar a ideia, mas será que o receptor é tão alienado que precisa do reforço? Nada melhor que explicar uma tautologia através de outra. “Tudo o que é demais sobra”. Realmente, as tautologias sobram. São encontradas diversas vezes nas conversas de elevadores. “O congresso ocorrerá nos dias 8,9 e 10, inclusive”. Se o dia 10 não estivesse incluído, não seria inclusive, certo? Ou será que algum dia eles vão inventar “dias 8,9 e 10, exclusive”, de forma a excluir o dia 10?
Nos não-lugares, como diz Bauman, esses fenômenos estão sempre presentes de alguma forma. O autor de modernidade líquida, no entanto, não percebeu que não deveriam ser chamados de não-lugares, mas lugares-da-língua já que é neles em que a língua portuguesa pode ser melhor observada. A começar pelos cartazes e avisos nos elevadores. “Aviso aos passageiros: Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar".  Alguém conhece o Mesmo? Se a palavra mesmo for interpretada como pronome substantivo, refere-se ao elevador. Mas e se o Mesmo for um substantivo próprio? Então meu amigo, tome cuidado! Ele pode ser um espírito esperando por sua entrada no elevador, nesse caso, é melhor verificar antes.
Foi naquele momento-elevador que surgiu a pérola “Essas foram as palavras que o político as disse no fim do discurso”. Se o “que” já retoma “palavras” para que usar o “as”? Vale, então, lembrar uma célebre frase: “Quem pode mais, pode menos”. No caso, menos glamour, é a chamada hipercorreção. A hipercorreção é o exagero com que algumas pessoas procuram falar ou escrever certo. No intuito de mostrar que conhecem o idioma, elas escolhem formas linguísticas prestigiosas e fazem uma restituição exagerada. O hipercorretor tem a falsa ideia de que usar bem a língua é torná-la “difícil”, quando não incompreensível. Sempre que penso no assunto, eu me lembro de um amigo de infância que, apesar de ser uma pessoa simples, tentava parecer culto exagerando no vocabulário e acabava se atrapalhando. Ele dizia Eu tinha trago minhas fitas para a festa”. O particípio do verbo chegar é chegado e não adianta tentar colocar purpurina nas Estrelas porque elas já possuem luz própria.
Chegando ao seu destino, caso cometa alguma gafe com a língua portuguesa, aproveite que o preconceito linguístico está no auge e utilize essa desculpa. “Eu falei isso errado? Seu preconceituoso! Chamarei a polícia da língua portuguesa”. Se for réu primário, uma pena alternativa viável seriam as aulas de português. Até que 60 horas de aulas de português não seriam uma má ideia, só que o Réu, nesse caso, deveria ser aquele que fez o mau uso da língua. Assim, se o preconceito linguístico não for uma boa desculpa para fugir do assunto, utilize a chamada licença poética. Se a poesia pode fazer uso da chamada licença poética, que é a permissão para extrapolar o uso da norma culta da língua, porque não o poeta mesmo que amador? Agora “dê-me” licença poética que vou ali cometer uma gafe na língua portuguesa e já já estou de volta com uma “surpresa inesperada”.

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